Menores de Idade e o Jogo: O Que Fazem as Casas de Apostas?
Em 2003, o Público noticiava a proibição do acesso aos espaços culturais e de lazer do Casino do Estoril por menores de 18 anos.
A medida foi tomada visto ter deixado de existir separação física entre a área em que se joga e a área em que concertos tinham lugar, por exemplo.
Desta forma, um dos maiores e mais antigos casinos da Europa à época protegia-se de possíveis acusações de convite de menores ao jogo.
Já na altura era reconhecido o impacto que a exposição de menores ao jogo nos casinos físicos poderia ter. As casas de apostas e casinos online não são excepção, mas apresentam outro tipo de desafios.
Fomos à procura de respostas para as seguintes questões:
- Qual a razão do impacto do jogo em menores ser tão grande actualmente?
- Que ferramentas existem para barrar o acesso a menores de 18 nas casas ilegais?
- As casas de apostas cumprem as regras?
- Existem outras alternativas para limitar o jogo por menores?
Começamos pelo primeiro ponto: porque é que há mais menores de 18 a jogar nos sites de apostas e casinos online?
Impacto do Jogo em Menores
Num estudo de 1999 chamado “Pathological Gambling: A critical review”, os autores chegam à conclusão que, com base noutros relatórios, 4 a 8% dos jovens possam ser afectados pelo jogo patológico.
No caso de adultos, este número baixa para 1-3%.
Numa idade em que crianças e jovens estão particularmente susceptíveis a comportamentos impulsivos e de risco, esta diferença não espanta.
Já à data, os autores estimavam que 10 a 15% dos adolescentes entre os 12 e 17 anos poderiam vir a ter problemas de vício do jogo, ainda antes da explosão das plataformas de jogo ilegal.
Segundo o Executive Digest, baseado em informação do SICAD, 5% dos adolescentes com 13 anos jogam a dinheiro em plataformas online.
Há 3 razões essenciais para o crescimento destes números:
- A grande popularização dos sites de apostas e casino legais;
- A proliferação de sites ilegais, sem controlo de identidade;
- O facto de a verificação de identidade ser contornável nas plataformas legais.
Popularização dos Sites de Apostas
As casas de apostas e casinos online popularizaram-se no novo milénio e Portugal não foi excepção.
Com a regulação das plataformas de apostas à cota e jogos de fortuna e azar em 2015, o jogo online foi popularizado e, de certa forma, normalizado.
Segundo dados do SRIJ, nos primeiros meses do jogo online legal, até 30 de Setembro de 2016, tinham-se registado 144 000 jogadores.
No final do 1º trimestre de 2023, existiam mais de 3 milhões de contas e o número de novos jogadores chegada aos 237 300.
Há ainda o facto de este grupo mais vulnerável crescer com a explosão da internet, das redes sociais e ser nativo no mundo digital.
Aliás, no mesmo período (1º trimestre de 2023), 34.5% dos novos registos eram feitos por utilizadores com idades entre 18 e 24 anos.
Falta saber quantos dos utilizadores menores que utilizam outras contas/prestam informação errada estão diluídos por todos os grupos etários, mas essa é outra questão.
Publicidade a Apostas e Casino
Uma vez que o jogo passou a ser regulado pelo SRIJ em 2015, a publicidade passou a ser legal em canais legítimos, tais como:
- Outdoors;
- Televisão e rádio;
- Anúncios em vídeos online.
O facto de passar a ser legítima tornou a publicidade a apostas desportivas e casinos legais muito mais presente, até porque ao longo destes 8 anos foram-se juntando casa após casa ao mercado legal.
No entanto, existem regras para a publicidade ao jogo em Portugal:
- A publicidade a menores é proibida;
- Não pode haver publicidade a menos de 250 metros de escolas e infraestruturas utilizadas por menores;
- A publicidade não pode sugerir sucesso social, aptidões especiais ou ganhos fáceis;
- A publicidade na TV só é permitida entre as 22h30 e as 7h.
Se a legislação existe, a verdade é que há formas através das quais a publicidade pode passar.
O Tech Transparency Project (TTP) fez uma experiência em 2021, em 3 alturas diferentes, com anúncios direccionados para adolescentes, relacionados com apostas e outros temas inapropriados para a idade.
Das 3 vezes, os anúncios foram aprovados pelo Facebook em poucas horas.
Para além disso, muita da publicidade é feita boca-a-boca e através de canais informais, como no Whatsapp ou Telegram.
Isto leva-nos a outro problema: a publicidade a casas de apostas ilegais.
Sites de Apostas Ilegais
Uma vez que não são regulados pelo SRIJ, os sites ilegais em Portugal não se regem pelas mesmas regras.
Apesar de não poderem fazer publicidade pela via tradicional, que lhes está vedada na legislação, já houve quem tenha tentado. Foi o caso da Bettilt, com um outdoor bastante grande na via pública.
Também já falámos no nosso artigo sobre publicidade ao jogo no facto de muitos influencers terem feito promoção de sites e jogos ilegais.
Isto faz sentido, por ser uma forma de publicidade mais recente, mais ambígua e menos visível no espaço público.
Com esta forma de publicidade, os casinos ilegais podem usar estratégias mais chamativas para adolescentes e, ao mesmo tempo, não oferecer as mesmas ferramentas de jogo responsável.
No entanto, o grande problema parece ser a não implementação de formas de verificação de identidade nas plataformas ilegais.
Ainda assim, qualquer site legal tem de verificar os dados do jogador, e continua a existir jogo por menores nas casas reguladas. Qual é a razão?
Verificação de Identidade nos Sites Legais
As plataformas legais de apostas e casino não têm interesse nenhum em deixar que menores de idade joguem.
Se isso acontecer por negligência ou falha dos operadores, estes podem ser multados ou perder a licença. As consequências para a reputação das casas também existem, ainda que menos palpáveis.
Por isso, qualquer casino legal cumpre com aquilo a que a lei obriga:
- Pedir uma lista extensa de dados pessoais para criação da conta de jogador;
- Cruzar os dados com bases de dados a que tem acesso;
- Fazer a verificação da conta através de imagens/digitalização de um documento;
É possível ver este processo de registo, passo-a-passo, em qualquer site legal português, inclusive na última a juntar-se ao mercado: a Golden Park.
Reunir todos estes dados (NIF, IBAN, CC, morada, telemóvel e email) não deveria ser simples para alguém que não o titular dos dados.
Da mesma forma, como todas as casas legais usam este sistema, a lei parece estar a funcionar.
Isto leva-nos à questão seguinte.
É Legítimo Imputar a Culpa aos Sites Legais?
Os menores que jogam em sites legais fazem-no, regra geral, das seguintes formas:
- Usam a conta de um familiar (pai, irmão mais velho);
- Criam uma conta discretamente com os dados de um familiar, como se fosse para pagar um qualquer videojogo;
- Em alguns casos particulares, jogam com a conivência de familiares que não estão familiarizados com as repercussões.
No segundo caso, por exemplo, a dificuldade para o adolescente é apenas a de reunir a documentação necessária e o método de pagamento.
Como a Deco explica num artigo sobre a responsabilidade dos menores em jogos online, basta-lhes pedir o cartão de crédito para comprar uma qualquer coisa online.
Dependendo do nível de distracção, paciência ou conhecimento do familiar, assim “criam a tão desejada conta de jogador”.
É impossível não concordar com a conclusão da Deco sobre este assunto:
- A legislação a que as casas de apostas estão sujeitas não resolveu o problema, porque qualquer lei é ultrapassável quando alguém o está disposto a fazer.
A partir do momento em que a casa de apostas pediu todos os documentos necessários e fez a verificação com imagens dos mesmos, a responsabilidade é dos pais de filhos menores de 16 anos.
Idade | Responsabilidade Legal |
---|---|
Até 16 anos | Pais |
Entre os 16 e os 18 anos | Filhos |
Se os menores tiverem entre 16 e 18 anos, poderão ser julgados e condenados pelo crime de roubo de identidade.
Os jogadores menores que sejam apanhados podem ver as suas contas fechadas e os ganhos apreendidos, claro.
Que Soluções Existem?
Existem algumas soluções diferentes para este problema:
- Outras formas de verificação (por reconhecimento facil, por exemplo);
- Reforço da inspecção/fiscalização, inclusive de casas ilegais;
- Sensibilização dos menores e também das famílias.
Existe uma indústria dedicada ao desenvolvimento de soluções de verificação de identidade online, da qual fazem parte empresas como a VeriFace ou GetID.
O desenvolvimento de sistemas de verificação biométrica e implementação nos sites legais seria uma camada de segurança adicional para os pais de menores “atrevidos” e para as próprias plataformas.
Referimo-nos, por exemplo, ao login com impressão digital ou mesmo verificação facial.
No entanto, continua a não ser impossível recolher a impressão digital de um adulto do agregado familiar, embora claramente mais difícil.
Outro ponto em que é sabido que há margem para melhorias é a fiscalização do SRIJ.
Como já dissemos noutro artigo recente, em sensivelmente 8 anos foram bloqueados os ISP de 1441 sites. Isto dá uma média a rondar os 180 sites por ano, ou apenas 15 por mês.
Tendo em conta o número de operadores legais que existem e a facilidade com que criam novos sites, muitas vezes acrescentando apenas números ao endereço, bloquear 15 sites por mês não chega.
Também sabemos que há muitos outros países europeus com dificuldades em lidar com o jogo online ilegal.
Resta-nos aquela que ainda é a solução mais simples e menos dependente de terceiros: a sensibilização dos pais e das crianças para o jogo.
Num país em que, desde 2022, a percentagem de utilizadores que só jogam em casas legais estagnou nos 60%, é essencial que se fale das diferenças entre os diferentes tipos de jogo.
Tal como acontece com outros temas à medida de as crianças crescem, como o álcool e outras drogas, o vício do jogo pode ser um problema grave e merece ser discutido a nível familiar.
Em combinação com isto, existe software de controlo parental, capaz de bloquear sites impróprios para crianças – inclusive em smartphones.
Aliás, falando de Androids, a simples configuração da Play Store vai definir que tipo de apps podem ser descarregadas.
Tanto para Android como iOS, o Screen Time permite restringir horários, funções e gera relatórios de comportamento.
Há também a possibilidade de os pais não estarem por dentro do assunto. Aliás, muitos ainda terão preferência por opções do jogo territorial dos Jogos Santa Casa.
Aqui, resta uma solução: a sensibilização nas escolas, como já é feito com outros temas.
Conclusão
É inegável que, tal como outros hábitos e consumos nestas idades, o jogo pode ter consequências bastante negativas para menores de idade.
Com a democratização dos sites de apostas e casinos online, assim como o crescimento da publicidade a este sector, este impacto tem potencial para ser ainda maior.
Olhando para a legislação actual, ela parece adequada e as casas de apostas legais usam todas o mesmo processo:
- Registo em vários passos, com vários dados pessoais e financeiros;
- Verificação com envio de foto da documentação.
Existem outras possíveis formas de verificação, mas como acontece tantas vezes com pré-adolescentes e adolescentes, quebrar as regras não é um problema.
Por isso, o caminho futuro terá de basear-se numa combinação de sensibilização de pais e filhos e maior controlo sobre as casas ilegais (ainda mais prejudiciais).
Se viável, um processo de verificação mais sólido mas com a mesma conveniência para novos jogadores seria também uma boa adição.