Publicidade ao Jogo Online - Para Quando Novas Regras?
Desde 2015 que o jogo online é legal em Portugal, o que levou à proliferação da publicidade a apostas desportivas e jogos de azar.
Porém, nem sempre as regras para os anúncios do sector parecem ser cumpridas.
Estes são alguns dos casos mais controversos a que assistimos nos últimos anos:
- O escândalo da publicidade ao crash ilegal por influencers;
- Um outdoor enorme com publicidade a uma casa ilegal.
Ainda que estes sejam casos particularmente gritantes, podemos ainda referir a massificação da publicidade às apostas no futebol de 1ª Liga, seja nos painéis do estádio, seja nas camisolas.
O SRIJ removeu 50 vídeos publicitários só no 1º trimestre de 2023, mas este esforço parece não ser o suficiente, tendo em conta os casos de que demos conta acima.
Para compreenderes melhor o impacto destes números e o que significam no contexto nacional e europeu, vamos explicar-te:
- Quais as regras da publicidade ao jogo em Portugal;
- Principais tipos de publicidade que geram polémica, não só em Portugal, mas também noutros países;
- Medidas que já estão a ser tomadas noutros países europeus e em solo luso.
Começamos então pelas regras essenciais da publicidade a apostas em Portugal.
Como Funciona a Publicidade ao Jogo em Portugal?
Com a legalização do jogo online em Portugal, passou a ser normal haver publicidade a sites de apostas legais ou a casinos online regulados no nosso país.
O aperto das regras em relação à publicidade demorou, mas acabou por ter lugar em 2020, com a criação de um novo manual de boas práticas para publicidade a jogos e apostas.
Este Código da Publicidade a Jogos e Apostas, ainda em vigor em 2023, foca-se bastante na protecção de menores, como é possível ver pelos seguintes pontos:
- A proibição da publicidade dirigida a menores;
- A proibição da publicidade a menos de 250 metros de escolas ou infraestruturas frequentadas por menores;
- A proibição da publicidade a apostas enquanto forma de êxito social, sugestão de aptidões especiais ou forma de ganho fácil;
Foi também proibida a publicidade a apostas e jogos de azar na televisão pública antes das 22h30 e depois das 7h, assim como num período de meia hora antes ou depois de programas para jovens ou crianças.
Estas alterações não aconteceram por acaso – foram motivadas por situações de publicidade que geraram polémica, das quais já iremos falar melhor.
Publicidade Mais Polémica
Há diferentes formas de publicidade, mas aquelas que devem ser analisadas com atenção são:
- A promoção do jogo ilegal feita por vários youtubers populares;
- O número crescente de publicidade nos media tradicionais com figuras conhecidas;
- A publicidade nos painéis dos estádios e o patrocínio nas camisolas.
Promoção do Jogo Ilegal
Em 2019, começou a ser noticiada a promoção de sites ilegais de apostas por parte de youtubers portugueses bastante populares.
Resumindo, youtubers como Sirkazzio, Wuant e Windoh haviam promovido, durante meses, sites de apostas e casinos online sem licença do SRIJ.
Foi na sequência da investigação e contacto directo da Renascença com o Youtube que a plataforma decidiu bloquear grande parte destes vídeos.
No entanto, a Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online (APAJO) já havia denunciado esta situação ao SRIJ.
Por isso, o regulador português estava a par e garantia estar a trabalhar dentro dos limites da lei. Entretanto, em colaboração com o Youtube, o SRIJ removeu mais de 100 vídeos que apelavam ao jogo ilegal.
Para além da mudança nas regras da publicidade que se seguiu, houve alguns efeitos colaterais, como o encerramento do serviço de consultoria de apostas desportivas do youtuber Numeiro, após acusações de fraude.
Porém, até ver nenhum dos youtubers foi condenado pelo duplo crime de publicidade ao jogo ilegal a menores e jogo em plataformas sem licença.
Jogar em sites ilegais pode ser alvo de coima desde 2500€ até 25 000€. As penalizações não existem apenas para os operadores ilegais, mas também para quem joga.
Houve youtubers que voltaram a promover jogos ilegais no Twitch, visto que a plataforma era menos regulada. Só em Setembro de 2022 é que o Twitch anunciou a proibição de streaming de jogos em sites sem licença.
Actualmente, ainda é possível encontrar influencers a promover o jogo em sites ilegais.
Uma rápida pesquisa do Aposta Legal foi o suficiente para encontrarmos, por exemplo, stories da influencer Margarida de Castro a divulgar o crash no site ilegal Vem Apostar.
Porém, esta situação não é exclusiva de Portugal.
Em 2016, dois youtubers – Craig Douglas e Dylan Rigby, conhecidos pelos canais NepentheZ e FUTGalaxy, foram levados à justiça do Reino Unido pela primeira ocorrência de promoção de apostas ilegais.
Na Alemanha, o youtuber Ron Bielecki foi condenado a pagar multas no valor total de 480 000€ por 51 instâncias de jogo ilegal e 37 vezes em que o publicitou.
Na França, segundo um questionário levado a cabo pela Associação Nacional do Jogo (ANJ), mais de um terço dos jovens entre 15 e 17 anos havia feito apostas desportivas em 2021, apesar da interdição a menores.
Não admira, por isso, que também no hexágono proliferem os chamados tipsters, vendedores de prognósticos que incitam menores a jogar.
Publicidade nos Equipamentos
Ainda não há muito tempo, as principais equipas do desporto rei em Portugal eram patrocinadas por gigantes das telecomunicações, como MEO, NOS ou Vodafone.
O crescimento do número de patrocínios de casas de apostas a equipas de futebol é uma tendência, quer em Portugal, quer noutros países europeus.
Para o patrocinador, grande parte da rentabilidade do patrocínio é a presença da marca nas camisolas dos jogadores, garantindo máxima visibilidade durante os jogos.
Focando-nos no futebol da Primeira Liga na última temporada (2022/2023), 12 das 18 equipas na prova tinham publicidade a operadores licenciados nas camisolas.
Liga de Futebol | Nº de Equipas com Patrocínio de Apostas/Casino |
---|---|
Primeira Liga (Portugal) | 12/18 (66.66%) |
La Liga (Espanha) | 0 |
Ligue 1 (França) | 1/20 (0.05%) |
Pro League (Bélgica) | 7/18 (38.9%) |
Premier League (Reino Unido) | 8/20 (40%) |
Comparando estas ligas europeias, Portugal é o país com mais patrocínios de sites de apostas nas camisolas. Das 4 equipas melhor classificadas, só o Benfica não é patrocinado por uma destas casas.
Se na liga espanhola esta questão já não se coloca e na França tem impacto reduzido, mais de 1/3 das equipas das ligas belga e britânica contam com um patrocínio deste tipo.
Sendo a Premier League a liga de futebol com maior visibilidade no mundo, esta tendência merece ainda maior atenção.
Curiosamente, as equipas mais mediáticas dos últimos 15 anos (Manchester City, Arsenal, Chelsea, Manchester United) na Premier League não entram nestes números.
Tanto o Reino Unido como a Bélgica decidiram acabar com estes patrocínios, como te explicaremos entretanto.
É preciso ter ainda em conta que, com as publicidades nas camisolas, vem também em conjunto frequentemente a publicidade nos painéis rotativos dos estádios.
Há uma última forma de publicidade ao jogo online: o patrocínio das competições desportivas.
Por exemplo, em Portugal, a liga principal de futebol é agora patrocinada pela Betclic e a Taça de Portugal tem patrocínio do Placard.
No caso da Bwin, a operadora conseguiu mesmo o patrocínio da Liga Europa, garantindo a publicidade à escala europeia.
Não temos dados sobre a consequente exposição adicional de menores ao jogo. Porém, muitos destes jogos são transmitidos em horário nobre.
As diferentes regras entre países com equipas nas competições europeias podem dar origem a situações imprevisíveis.
Por exemplo, recentemente o Vitória de Guimarães jogou contra o NK Celje, na Eslovénia, com patrocínio ao projecto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa “Valor T” nas camisolas.
O habitual patrocínio do Placard não foi permitido, uma vez que as leis da Eslovénia impedem os patrocínios por parte de plataformas de apostas a clubes desportivos.
Publicidade nos Media Tradicionais
O uso de figuras públicas na publicidade ao jogo em Portugal é legal, desde que estas casas também o sejam e desde que não exista incitação ao jogo.
O caso da publicidade à Bettilt com José Calado, por isso, foge a estas condições, com a devida coima para os responsáveis.
Por outro lado, podemos considerar legítima a relação entre o cantor Toy e a plataforma Nossa Aposta, ou ainda a presença de Fernando Rocha e, mais recentemente, Pêpê Rapazote, em anúncios da Betclic.
Porém, é natural que as entidades que regulam o jogo e a publicidade queiram manter o equilíbrio entre a possibilidade de os sites de apostas fazerem publicidade, inclusive com figuras públicas, e o possível impacto que tal possam ter nos jogadores.
Este fenómeno não é estranho a outros países europeus, onde até ganha outra dimensão.
Por exemplo, em Setembro de 2019, José Mourinho assinou um contrato lucrativo com a Paddy Power, plataforma de apostas e casino online, dando a cara numa série de anúncios de TV, imprensa e online.
Nessa altura, o “special one” estava de volta à liga inglesa. No entanto, concluiu-se que Mourinho estava a cumprir com o regulamento da Football Association (FA), visto que os anúncios eram apenas aos jogos de azar.
Apesar de ter sido considerado legal, não é difícil de perceber que, sendo a plataforma a mesma para jogos de azar e apostas desportivas, a publicidade também faz os jogadores entrarem na secção de apostas.
Há outros exemplos, e não apenas no Reino Unido. Com a legalização do jogo nos Países Baixos, em 2021, por exemplo, veio uma enxurrada de anúncios com futebolistas famosos do país.
O nome mais sonante a entrar num destes anúncios foi Wesley Sneijder, ex-futebolista do Ajax, Real Madrid e Inter de Milão. Mas há outros, como Andy van der Meijde ou Dick Advocaat.
Em 2022, a proibição do uso de figuras públicas neste tipo de anúncios levou a BetCity a fazer alterações numa publicidade sua, mas de forma insólita – trocou apenas os famosos por desconhecidos.
Para além da participação de figuras conhecidas em publicidade a apostas e jogos de azar, a frequência e alvo dos reclames são também um problema.
Por exemplo, as entidades francesas aperceberam-se de uma onda de anúncios a apostas desportivas durante o Euro 2021, tanto na televisão como nos smartphones, na rua e mesmo nos transportes públicos.
O grupo alvo, sem surpresas, é a população mais jovem, especialmente a masculina, dos arredores das grandes cidades e com baixos recursos.
Esta faixa demográfica é precisamente aquela que menos bases de apoio terá para jogar de forma saudável.
O exemplo mais flagrante é o de um anúncio da Winamax com o slogan “Tout pour la daronne”, francês informal para “tudo pela mãe”.
O objectivo era claro: fazer os jovens pensarem que um bom filho deve apostar e oferecer o que seja à mãe, com base nos lucros.
A Winamax foi multada e a publicidade retirada, mas o mal já estava feito, com o slogan a surgir até em t-shirts, tote-bags e hoodies.
O Que Está a Ser Feito Para Regular a Publicidade?
Falando já de Portugal, a verdade é que não há grandes novidades desde 2021.
Como já explicámos, na altura foi criado um novo manual de regras de publicidade e introduzidas limitações ao horário em que podiam ser transmitidas na televisão. Também houve restrições aos outdoors.
No entanto, quase 2 anos depois, não há grandes alterações. Por exemplo, Ricardo Quaresma, director de comunicação da Liga Portugal, afirma que a proibição da publicidade nas camisolas não está a ser analisada.
Outros países, no entanto, tomaram medidas mais pesadas em relação à publicidade a apostas desportivas.
Começando pelo patrocínio nos equipamentos, já é proibido em Espanha. Nos Países Baixos, as casas de apostas serão proibidas de patrocinar clubes desportivos a partir de 2025.
Na Bélgica, foi feita uma proposta que inclui o fim da publicidade nas camisolas, mas está a criar desconforto político e também nas federações desportivas belgas.
No Reino Unido foi tomada a mesma medida, e sem qualquer imposição por partes das autoridades.
A nível de possibilidade de transmissão e de horários para a publicidade às apostas ou jogos de azar online, a maior parte dos países também parece estar a fazer mais do que Portugal.
No caso dos nossos vizinhos, a actualização de 2021 à lei do ano anterior veio limitar estes anúncios à madrugada – da 1h às 5h, tanto para a televisão, rádio como plataformas como o Youtube.
Nos Países Baixos houve uma proibição total da publicidade a apostas na rádio, tv e mobiliário urbano desde 2021.
E em relação a influencers, especificamente?
Na França, um projecto de lei proposto no início de 2022 incluía a caça àqueles que façam promoção de sites ilegais no país, dentro dos quais os tipsters (que vendem prognósticos para os jogos).
Em geral, olhando para a tabela a seguir, vemos que Portugal e França são os países em que, apesar dos avanços, as regras ainda parecem ser menos rígidas.
Países | Horário Permitido Para Publicidade | Proibição de Patrocínios Aprovada/ Em Discussão | Proibição de Figuras Públicas nos Anúncios |
---|---|---|---|
Portugal | 22h30-7h | Não | Não |
Espanha | 1h-5h | Sim | Sim |
França | 20h-6h | Não | Sim |
Bélgica | Proibido (a partir de 07/2023) | Sim | Sim |
Países Baixos | Proibido | Sim | Sim |
Há um Lado Positivo na Publicidade Regulada?
O facto de as casas de apostas legais poderem, seguindo a regulamentação do sector, publicitar a sua actividade também tem um lado positivo indiscutível.
Em primeiro lugar, as plataformas aprovadas pelo SRIJ são as únicas que podem ter publicidade.
Isto significa que os utilizadores terão muito mais contacto com sites que estão obrigados a responder perante a lei portuguesa, que operam de forma transparente e que possuem diversos mecanismos de protecção.
Naturalmente, esta é uma ajuda no combate aos sites ilícitos que operam no país, ainda que seja difícil eliminá-los totalmente.
Em segundo lugar, o facto de o patrocínio dos sites de jogo legal serem permitidos nas camisolas desportivas é uma fonte importante de receita para os clubes de futebol com menor dimensão.
Não são de agora histórias de equipas com tradição que têm dificuldades em pagar salários. Em Maio do ano passado, o IOL reportava a existência de 5 clubes que falhavam a prova de inexistência de dívidas salariais:
- Boavista;
- Varzim;
- Académica;
- Leixões;
- Trofense.
Para além disso, é comum constatar-se a falta de competitividade da Primeira Liga, uma situação que pode ser atenuada se parte destes patrocínios forem utilizados para a contratação de talento.
Dos 9 clubes de futebol na liga 2022/2023 com publicidade nas camisolas (exceptuando Porto, Sporting e Benfica), 4 ficaram na metade superior da tabela.
Equipa | Classificação |
---|---|
Boavista | 9º |
Guimarães | 6º |
Famalicão | 8º |
Chaves | 7º |
Claro que estes dados são apenas um indicador, uma vez que há um grande número de variáveis, como o valor de outro patrocínio e a forma como é investido no plantel e equipa técnica.
O último positivo tem a ver com o combate à corrupção nas apostas desportivas.
As casas de apostas legais têm todo o interesse em fazer parte da luta pela integridade das apostas.
É a colaboração entre as casas de apostas legais e plataformas governamentais que consegue, de forma mais eficiente, lutar contra a manipulação da verdade desportiva.
Para além disso, as casas de apostas legais estão sujeitas a um escrutínio por parte do SRIJ a que as plataformas ilegais se escapam.
Em Suma
É fácil de perceber que as regras da publicidade ao jogo online têm de ser revistas de forma constante, para manter a segurança dos jogadores e evitar pôr em risco as práticas do jogo responsável.
Tendo em conta os dados para os quais olhámos anteriormente, observamos várias situações de risco criadas pela promoção do jogo, seja ele legal ou ilegal.
Em Portugal, são estes os principais desafios:
- As dificuldades em combater a promoção às apostas para ganhar dinheiro, não por entretenimento;
- A visibilidade da publicidade ao jogo ilegal (que, por sua vez, não é negligenciável).
Estes problemas também existem a nível europeu, e há várias semelhanças nas medidas que estão a ser tomadas por países como Espanha, Bélgica e Países Baixos para os controlar.
Falamos da restrição ou eliminação da publicidade nos media tradicionais e também nos equipamentos desportivos.
Em Portugal, apesar de não estar a ser discutida a eliminação dos patrocínios nas camisolas, também não se pode dizer que nada esteja a ser feito.
O último relatório do SRIJ passou a contabilizar o número de vídeos publicitários removidos, o que mostra que esta componente da inspecção do jogo não está a ser descurada.
Da mesma forma, pelo arranque do mundial de 2022, a APAJO lançou uma campanha contra o jogo ilegal, enquanto que o Placard colaborou com o youtuber Bernardo Almeida para desmistificar o jogo em casas legais.
Temos curiosidade para saber se a restrição da publicidade mais polémica e o uso das ferramentas que melhor chegam à população jovem surtem efeitos, mas parecem uma boa opção.
Ficamos a aguardar novas medidas em relação ao controlo dos patrocínios a equipas desportivas, como está a acontecer em Espanha, Reino Unido, Bélgica e Países Baixos.